quinta-feira, 21 de junho de 2012

Desaprendendo a lição

“Há uma idade em que se ensina o que se sabe, mas em seguida vem outra idade em que se ensina o que não se sabe”. Esta frase de Roland Barthes é instigante. Desmitifica a prática usual do ensino. Por isso, ele continua seu pensamento afirmando que é preciso “desaprender”, “deixar trabalhar o imprevisível” até que surja a chamada “sapiência”, uma sensação de “nenhum poder, um pouco de saber, mas com o maior sabor possível”. E num seminário em Paris, praticando a errância do saber, propôs aos alunos que o encontro na classe não tivesse tema pré-determinado. Do desejo inconsciente do saber é que deveria aflorar o tema. Ali, os alunos deveriam não apenas desejar o saber, mas saber desejar. Desejar o saber é uma primeira etapa, mas saber desejar é refinada atitude. Entre um e outro vai a distância do canibal ao gourmet. 

Como derivação das colocações de Barthes se poderia dizer: o professor pensa ensinar o que sabe, o que recolheu dos livros e da vida. Mas o aluno aprende do professor não necessariamente o que o outro quer ensinar, mas aquilo que quer aprender. Assim, o aluno pode aprender o avesso ou o diferente do que o professor ensinou. Ou aquilo que o mestre nem sabe que ensinou, mas o aluno reteve. O professor, por isso, ensina também o que não quer, algo de que não se dá conta e passa silenciosamente pelos gestos e pelas paredes da sala. É, aliás, a mesma história que se dá com o texto. O autor se propõe a dizer uma coisa, mas o leitor constrói sua leitura segundo suas carências e iluminações. Por isso se equivocou Jacques Derridá ao dizer que o texto escrito segue livre sem paternidade, enquanto o discurso, oral, é tutelado pelo orador. 

O orador também não controla seu discurso, pelo simples fato de estar presente. A palavra ao ser pronunciada já não nos pertence. O orador é falado pelo discurso. Fala-se o que se pensa que se sabe, ouve-se o que se pensa que foi pronunciado. O sentido é construído a muitas vozes e ouvidos, harmonicamente. Tinha razão o polifônico Sócrates: “A verdade não está com os homens, mas entre os homens”. 

Repitamos a frase de Barthes: “Há uma idade em que se ensina o que se sabe, mas em seguida vem outra idade em que se ensina o que não se sabe”. E adicionamos o seguinte raciocínio: em geral pensa-se que o professor é aquele que “fala”, que preenche com seu encachoeirado discurso uma aula de 50 minutos ou seminário de três horas. Este é um conceito de ensino como uma atividade “oracular” da parte do mestre que se complementa numa passividade “auricular”da parte do aluno. 

Contudo, assim como o espaço em branco é importante no poema, assim como a pausa organiza a música, o saber pode brotar no silêncio. O jorro contínuo de palavras pode ostentar apenas ansiedade. O conhecimento pode se instalar no entreato. O silêncio também fala. É isto que se aprende durante as ditaduras. E por outro lado, durante as democracias se aprende que o discurso nem sempre diz. Portanto, à audácia de desaprender o aprendido, soma-se a astúcia do silêncio. No princípio era o verbo. A construção do silêncio exige muitas palavras. O escritor, por exemplo, constrói uma casa de palavras para ouvir seu silêncio interior. Comecei falando em Barthes. E aquela frase inicial dele remete não só à questão do “saber” e do “sabor”, mas do “saber” e do “poder”. Na verdade, enriquece-se o saber combatendo-se o poder que ele aparenta. E uma forma de incrementar o poder é o “perder”. 

Assim o melhor professor seria aquele que não detém o poder nem o saber, mas que está disposto a perder o poder, para fazer emergir o saber múltiplo. Nesse caso, perder é uma forma de ganhar e o saber é recomeçar. E para terminar, nada melhor que uma frase de outro desconstrutor de verdades, que é Guimarães Rosa: “Mestre não é quem ensina, mas aquele que de repente, aprende”. 
Affonso Romano de Sant'Anna

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